O objetivo da escola no Brasil
Uma trajetória histórica

Lindomar Wessler Boneti

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Resumo: O artigo tem como objetivo analisar um debate no Brasil, envolvendo o mundo social, político e especialmente o produtivo que é histórico, mas que se expressa com muita evidência nos dias atuais, que diz respeito ao objetivo da escola. Trata-se de um debate muito presente na atualidade a partir de dois objetivos da escola, o de ensinar fazer e o de ensinar pensar. O de ensinar fazer evidencia o papel da escola como o de ensinar para a vida produtiva, especialmente o manejo tecnológico. O ensinar pensar evidencia o aspecto da intelectualidade e da autonomia pessoal. Este debate, penetra no contexto escolar, provocando uma crise em relação ao papel da escola. Metodologicamente inicia-se analisando este debate enfocando as peculiaridades do processo da chegada no Brasil do preceito da racionalidade moderna assim como o papel social da escola assumido naquele momento histórico. Argumenta-se que dois momentos registram este processo, a escola assumindo o papel da reprodução da cultura burguesa europeia e a escola assumindo o papel da cientificidade do saber e da preparação para a vida produtiva. É no contexto deste processo que se chega no momento atual com o debate em relação à finalidade escolar, do aprender ou do fazer.

Introdução

Este artigo tem como objetivo analisar os caminhos históricos desta crise em torno do objetivo da escola e, particularmente, dando ênfase ao momento atual quando se evidencia mais claramente a dualidade do objetivo da escola entre o ensinar pensar e o ensinar fazer.

Argumenta-se que a origem deste debate teve início num contexto histórico da chegada no Brasil do preceito da racionalidade moderna atribuindo-se à educação o papel da formação racional das individualidades no que tange ao saber e o comportamento pessoal. Portanto, este debate do papel da escola não tem origem dentro dela própria, mas no âmbito social e político a partir de uma construção histórica envolvendo o processo da origem de uma epistemologia do saber escolar, associada à racionalidade moderna. Assim, o saber que a escola utiliza como meio e como fim por si só está associado à sua utilidade prática. Isto é, a escola tem o compromisso, historicamente construído, de ensinar o ser racional, mas o ser racional da escola é o associado às raízes da modernidade e das relações capitalistas de produção. Isto explica a insistente cobrança do setor produtivo no sentido de se institucionalizar a escola com o fim do ensinar fazer. Isto se contrapõe com o projeto pessoal de grande parte do professorado que sonham com o ensinar para pensar. Mas, por outro lado, no âmbito da escola, o ensinar fazer se impõe sobre o ensinar pensar partir das próprias bases epistemológicas da escola o que define suas regras e normas.

Metodologicamente inicia-se analisando este debate enfocando as peculiaridades do processo da chegada no Brasil do preceito da racionalidade moderna assim como o papel social da escola assumido naquele momento histórico. Argumenta-se que dois momentos registram este processo, a escola assumindo o papel da reprodução da cultura burguesa europeia e a escola assumindo o papel da cientificidade do saber e da preparação para a vida produtiva. É no contexto deste processo que se chega no momento atual com o debate em relação à finalidade escolar, do aprender ou do fazer.

Peculiaridades da chegada no Brasil da racionalidade moderna e a primeira atribuição escolar: A Reprodução da cultura burguesa europeia

De conformidade com o pensamento sociológico brasileiro, ressaltando-se Florestan Fernandes (1987) e Octavio Ianni (2004), somente a partir da década de trinta do século XX que no Brasil ocorre a substituição de um modelo agrário exportador por um modelo industrial e urbano, podendo-se entender como uma “Revolução Burguesa” a partir dos moldes europeus, como “…um conjunto de transformações econômicas, tecnológicas, sociais, psicoculturais e políticas  que só se realizam quando o desenvolvimento capitalista atinge o clímax de sua evolução industrial” (FERNANDES, 1987, p. 203. Mesmo que as especificidades da chamada “Revolução Burguesa” brasileira não correu de conformidade aquela ocorrida na Europa, como o próprio Florestan Fernandes alerta, a partir desse momento tem início no Brasil um novo projeto de país, o da modernidade, industrialização e urbanização.

Porém, no período que antecede à “Revolução Burguesa” no Brasil, desde o século XIX com a consolidação da “Revolução Burguesa” na Europa, a elite econômica ruralista, no Brasil intitulada como a “oligarquia rural”, assumiram o papel de trazer para o Brasil elementos da cultura burguesa europeia, com foco no movimento burguês europeu de distinção de classe.

Dispõe-se de muitos escritos sobre o movimento burguês de distinção de classe, entre esses dois merecem destaque, embora com fundamentos teóricos diferentes, Eric Hobsbawm (2009) e Norbert Elias (2011), os quais contribuíram significativamente com esse ensaio. O estilo de vida tipicamente burguês constitui-se em parâmetro de “normalidade” de comportamento individual e social, especialmente a partir de um movimento que começa com a “sociedade da corte”, mas retomada com significados diferentes pela nova classe dominante após a revolução industrial unindo dois aspectos importantes: ingredientes originados na evolução histórica do conhecimento científico, principalmente os advindos das ciências do domínio da natureza; e a apropriação da noção de cultura como mecanismo de distinção da classe burguesa. No âmbito desse movimento, a ideia de cultura aparece como elemento preponderante. No século XVIII, a noção de cultura esteve muito atrelada à ideia de razão, como bem salienta Denys Cuche (2001) (originada da evolução do pensamento científico de séculos anteriores), à ideia de construção de uma sociedade racional, à de distinção do homem do universo natural, ao discernimento e ao somatório de saberes e conhecimentos.

No século XIX, após a consolidação da revolução industrial e a francesa, e com  influências do movimento positivista, essa noção amplia-se e é apropriada pela classe burguesa como qualificativo de distinção de classe, passando a significar tudo o que contribui ao enriquecimento intelectual e espiritual; habilidades, hábitos e saberes refinados e eruditos. Com o advento do positivismo, no século XIX, a cultura toma um caráter de cientificidade à medida que a sua noção absorve ingredientes originados do mundo científico, quando dois aspectos tomam evidência e se impõem como elementos-chave enquanto parâmetros de “civilidade”, a minimização da diversidade e a valorização do princípio da temporalidade e da evolução. Pode-se, então, considerar que, a partir de uma concepção etnocêntrica, passa a existir um “modelo” de comportamento social e cultural que deve ser seguido por grupos sociais, instituições sociais e pelos indivíduos, adotando-se uma perspectiva de temporalidade. Instituiu-se um estilo de viver fundamentado na ideia da cientificidade, do racionalismo clássico e da cultura acentuado no esmero do comportamento, do vestuário, da ornamentação do lar etc., e com isso passando a ideia de sucesso, de evolução e de progresso. Assim, construiu-se o preceito burguês que associa o ser ao ter, que a evolução do espírito é condicionada à evolução da matéria. Neste sentido, a participação na vida pública passa a ser na sociedade burguesa algo importante, não somente como elemento de distinção de classe, mas como entendimento de que caberia à classe burguesa a construção da “hegemonia” do “modelo civilizatório”.

No Brasil este movimento se deu de forma diferente. Se na Europa a cultura burguesa se instituiu como um resultado da consolidação da Revolução Industrial e Francesa e com ela o advento da classe burguesa como dominante, no Brasil isto se dá diferente. No período anterior à chamada “Revolução Burguesa” no Brasil, nos moldes como Florestan Fernandes (1987) a denomina, o que se compreende  como sendo antes da década de trinta do século XX, setores da chamada oligarquia rural importaram a cultura burguesa europeia como forma de distinção de classe. Isto é, o advento da cultura burguesa no Brasil antecede a chamada reforma de base da estrutura econômica e do próprio Estado.

Portanto, no geral, esse “modelo civilizatório” de referência, utilizado como parâmetro de organização do arcabouço institucional da educação, tem origem desses dois movimentos analisados acima, o da construção de um modelo de cientificidade, de onde tem origem o preceito da individualidade, evolução, temporalidade, e universalidade da verdade, e do estilo de vida burguês.

Este movimento burguês europeu em torno de um conceito de cultura associado à cultura burguesa esteve associado a um pseudo “modelo de civilidade” associado aos modos individuais de ser, do comportamento humano, do esmero pessoal e do lar, da higienização, etc.

No Brasil, esse movimento ocorreu de forma diferente. Se na Europa a cultura burguesa foi instituída após a consolidação da Revolução Industrial e Francesa e com ela o advento da classe burguesa como dominante, no Brasil é diferente. No período anterior à chamada « Revolução Burguesa » no Brasil, como lhe chamou Florestan Fernandes (1987), ou seja, antes da década de 1930, setores da chamada oligarquia rural importavam a cultura burguesa européia como forma de distinção de classe. Ou seja, o advento da cultura burguesa no Brasil precede a chamada reforma fundamental da estrutura econômica e do próprio Estado.

Na Europa, pode-se dizer que ocorreu um movimento burguês de “civilidade” originado a partir de dois movimentos sincronizados: o da epistemologia do conhecimento científico, que ficou convencionado como verdade científica, especialmente com o movimento iluminista; e o da chamada Revolução Industrial, ou a própria denominada “revolução burguesa”, tendo a urbanização como fenômeno central. No Brasil, em decorrência da “tardia revolução burguesa”, a representação inicial de classe dominante fez-se pelas próprias oligarquias rurais. Foram as oligarquias rurais que importaram o modelo formal de viver da burguesia europeia expressa na maneira de se vestir, na prática da erudição através da música e da arte, na divisão social do trabalho entre o homem e a mulher etc. As oligarquias rurais assumiram a condição de “europeus no Brasil”, fazendo questão de se distinguir frente o restante da população. Esta distinção se fez não somente no que refere ao assumir a cultura burguesa europeia, mas especialmente estabelecendo relações frequentes com a Europa; utilizando o aparato escolar europeu na educação dos filhos e o fortalecendo de uma visão negativa e discriminatória em relação ao povo brasileiro. Adotou-se o olhar europeu sobre o povo brasileiro a partir do preceito da “raça”, como analisa Oliveira Viana (1933), em seu livro Evolução do Povo Brasileiro. Este era o pensamento “oligárquico burguês” brasileiro do início do século XX ao analisar o jeito de ser do brasileiro típico, a sua origem cultural, a relação com o trabalho, as moradias, a escolaridade etc., tomando como parâmetro o etnocentrismo europeu. Esse contexto fez com que a cultura burguesa, apropriada pelas oligarquias rurais, tendo o “eurocentrismo” como referência, constituísse o fim e o significado educacional no Brasil nesse período histórico.

Neste sentido a escola, nesse período, passou a se constituir instrumento de reprodução da cultura tomando como parâmetro o modelo burguês e racional europeu importado pelas oligarquias rurais. Nesse período, vê-se um modelo educacional que adotava um conceito científico de cultura, de mecanismos institucionais de acesso à cultura, restritos a classe dominante e a minimização da diversidade. Com isso, na educação, adotava-se o preceito de homogeneização, temporalidade e evolução, tomando-se a cultura burguesa parâmetro das tarefas educacionais e seus significados. A construção do modelo burguês enquanto parâmetro de civilidade no Brasil toma uma trajetória diferente daquela europeia.

A consolidação da Revolução Burguesa no Brasil e o novo papel da escola: cientificidade do saber e da preparação para a vida produtiva

Como já se fez referência neste artigo, entende-se que somente a partir da década de 30 do século passado que no Brasil ocorre a mudança de um modelo social, econômico e político agro exportador para o urbano industrial. A partir deste período ocorrem   grandes transformações sociais no Brasil. Para além da passagem do modelo agroexportador para o urbano-industrial, ocorreram grandes acontecimentos trazendo novas perspectivas para o Brasil e para os brasileiros, e com isso novos significados conceituais à educação. Os fins educacionais, expressos nas políticas educacionais, são alterados mesmo sem modificar o arcabouço institucional: da transmissão da cultura, enquanto requisito de evolução social, para a preparação para a vida produtiva.

Nesse período, o movimento modernista expresso na arte, na cultura, nos processos econômicos e na própria vida social, ao mesmo tempo em que consolida a classe burguesa como a dominante e o urbano-industrial como modelo social, destitui-se o modelo cultural burguês como sinônimo de civilidade, até então de domínio das oligarquias rurais. A destituição do modelo cultural burguês como sinônimo de civilidade se deu, especialmente, com a ocorrência de eventos diversos envolvendo a dinâmica social. Pode-se considerar como o primeiro o próprio advento da urbanização, quando afloram diferenciações de grupos sociais distintos nas periferias urbanas. O advento das periferias urbanas no Brasil constitui-se historicamente em um elemento fundamental na fragilização do preceito associando à noção dominante de cultura aos costumes e saberes próprios das classes dominantes. A produção de um jeito próprio de viver e de expressar a arte, especialmente a música, origina uma nova noção de cultura, associando às manifestações e às particularidades da expressão da vida de cada grupo social.

Esse processo de mudança também está associado a outros eventos, como por exemplo: a chegada ao Brasil de estudos científicos, etnográficos, sociológicos e antropológicos, para os quais o mundo cultural passou a ter outro enfoque, diferente daquele associado aos saberes e costumes da classe burguesa; os estudos estruturais da cultura de Lévi-Strauss e a análise funcionalista da cultura de Malinowski como expressão da vida no presente, destituindo a relação histórica entre cultura e evolução social; a Semana da Arte Moderna de 1922, a qual contribuiu com a quebra do preceito que associa cultura ao mundo formal burguês; a influência de alguns movimentos sociais urbanos americanos, como é o caso do hip-hop, as artes, a música (blues e jazz) e a literatura, influenciando a expressão cultural das periferias urbanas; o Manifesto dos Pioneiros da Escola Nova (1932), expressão de intelectuais que almejavam um modelo educacional nacional a serviço do projeto Brasil.  Tais movimentos trouxeram uma feição nova às políticas educacionais em relação aos seus significados conceituais e fins. Mesmo sem entrar na questão das desigualdades e diferenças sociais, o Estado passou a se apresentar como o articulador central das questões educacionais no Brasil. A presença do Estado como articulador central das questões educacionais já evidencia, com a própria criação do Ministério dos Negócios de Educação e Saúde, assim como, em 1934, a promulgação da Constituição estabelecendo a necessidade de um Plano Nacional de Educação, da gratuidade e obrigatoriedade do ensino elementar. O novo enfoque da educação, enquanto uma política pública e voltada para o mundo produtivo apresenta-se, por exemplo, com a reforma do ensino secundário de Francisco Campos – então ministro da Educação e Saúde, em 1931 e posteriormente a sua ampliação durante a gestão de Gustavo Capanema.

Portanto, neste contexto histórico, a própria expressão social e política passa a reivindicar uma escola com um novo objetivo, o de atender os preceitos da modernidade na perspectiva de um novo projeto de nação para o Brasil, o de uma escola assentada nos preceitos da modernidade e de preparação para a vida produtiva. A reinvindicação de novo objetivo da escola se expressa, por exemplo, no Manifesto dos Pioneiros da Escola Nova de 1932, assinados por 26 representantes da intelectualidade brasileira da época com o título: A reconstrução educacional no Brasil: ao povo e ao governo.

O objetivo da escola na atualidade no Brasil: um debate entre o ensinar para fazer ou para pensar

Este debate atual no Brasil sobre o verdadeiro papel a escola se situa portanto entre duas premissas, a do ensinar pensar e a do ensinar fazer. A premissa do ensinar pensar foca na construção da intelectualidade, reflexibilidade e autonomia da pessoa. A premissa do ensinar fazer atende as expectativas das relações capitalistas, particularmente dos segmentos sociais alinhados ao mundo produtivo, do ensinar fazer com assento no manejo técnico.

Neste artigo, no sentido de melhor situar este debate efetua-se nesta análise um diálogo com o pensamento teórico de Edgar Morin e Paulo Freire. De um lado Edgar Morin decifra a origem da crise epistemológica da escola, assentada na razão técnica e do distanciamento entre a objetividade e a subjetividade; do outro lado, Paulo Freire decifrando os caminhos de um ensinar pensar a partir da premissa do diálogo. Graças à contribuição destes dois pensadores situa-se neste ensaio  algumas marcas histórias de construção do pensamento racional e os seus diversos sentidos, que se apresentam na escola contemporânea como meio e fim da prática pedagógica, como é o caso do sentido matemático, a universalidade dos parâmetros de verdade e o peso do uso da tecnologia como sinônimo do ser racional. Num segundo momento, aborda-se a outra esfera da crise da escola, o desafio do ensinar pensar como caminho da construção da autonomia do sujeito, apelando-se novamente ao diálogo  entre as duas concepções teóricas e paradigmáticas sobre o papel da escola, Edgar Morin e Paulo Freire.

Fundamentos e crítica ao ensinar fazer

É no contexto da institucionalidade da escola, ou seja, no seu conjunto de regras e normas que se estabelece a diferenciação entre o saber da escola e o do mundo da vida. Enquanto que a institucionalidade da escola se alimenta de regras e normas objetivas, com base numa epistemologia construída historicamente, adotando a concepção etnocêntrica, homogeneidade e universalidade dos parâmetros do saber, o mundo da vida se sedimenta justamente nos limites territoriais, nos locais, nas diferenciações sociais e singularidades. No contexto de um mundo marcado por singularidades, como a escola consegue ser universalista e usar como princípio o da razão universal e infalível? Certamente através dos princípios institucionais. Se a escola é regida por uma institucionalidade assentada no etnocentrismo, falar de uma escola “multiculturalista” pode ser simplesmente um discurso falso.

Outro requisito que distancia o saber da escola do saber do mundo da vida é o que se refere ao método. Para a escola, o saber somente cumpre o seu papel de estabelecer ligação entre o mundo do indivíduo ao universo objetivo da sociedade quando este se constituir de saber-saber, isto é, o saber somente é saber na medida em que tem discernimento quanto ao método utilizado para a sua construção. É justamente neste aspecto onde se encontra a relação do saber escolarizado com a base epistemológica da razão científica. Mas ao contrário, o saber do mundo da vida toma significado de saber na medida em que se sabe fazer, na medida em que se prova saber fazer. CèlestinFreinet (1996), durante o processo de construção da concepção de escola que deu suporte à Pedagogia que lhe foi atribuída, enunciou que a escola deveria ser vivida em lugar de falar da vida.

Outra dimensão destes dois mundos é a relação que se estabelece do saber com o poder, associando-o à utilidade. O saber é poder na medida em que se apresenta útil, mas existem diferenças na própria concepção de utilidade. No mundo da escola a utilidade do saber se encontra muito mais no âmbito da sua legitimação, o da comprovação, onde é utilizado o método. Isto porque este saber é utilizado pelo universo objetivo da sociedade no âmbito das relações de controle e de atribuições institucionais do ser social. Trata-se de um saber utilizado mais como comprovação atribuindo-se poder social à pessoa que dele tem posse como utilidade prática do fazer.

Nesta relação diferenciada entre estes dois mundos, o da escola e o do mundo da vida, pode se encontrar as razões da crise da escola em relação ao ensinar pensar e o ensinar fazer. Certamente esta crise, que à princípio se sedimenta sobre as diferenciações de saber, se constitui base da maior delas, a dificuldade que a escola enfrenta de bem gerenciar os conflitos sociais que nele chegam originados do meio social, como é o caso das drogas, crises familiares e perda do sentido da própria existência. Estas dificuldades se explicam no distanciamento entre estes dois universos que legitimam o saber. A escola, fundamentada na sua institucionalidade, parte do pressuposto de que a verdade está nela própria, na ação do saber e se fecha para o mundo exterior. No contexto da institucionalidade da escola existem dois mundos: o teórico racional de construção do conhecimento e o mundo prático da vida de forma separada.

Na perspectiva de melhor compreender este contexto, a contribuição de Edgar Morin é significativa. Para Morin (2001) a educaçãose constitui de um campo científico e de práticas escolares disputadas pelas próprias relações capitalistas no contexto da ótica do ensinar fazer, construir um sujeito social com atribuições funcionais e progressivas com lógica na técnica e, portanto, o aprender novas tecnologias. Neste sentido, Bourdieu (2001, p 30) contribui  na medida em que afirma que os interesses capitalistas são exaltados numa lógica que perpetua as condições existentes de dominação. A educação não assiste passivamente a esse fenômeno, mas exerce um papel fundamental nessa relação entre agentes que contribuem para a perpetuação da condição de dominação.

A partir do pensamento de Edgar Morin (2001, p. 19), que o ensinar fazer assento nas próprias cegueiras paradigmáticas do conhecimento praticado na escola. O autor afirma que se tem como referência o “grande paradigma do Ocidente”. O paradigma cartesiano separa o sujeito e o objeto, cada qual na esfera própria: a filosofia e a pesquisa reflexiva de um lado, a ciência e a pesquisa objetiva de outro. Isto leva a separar o sujeito do objeto; alma do corpo; espírito da matéria; qualidade da quantidade; finalidade da casualidade; sentimento da razão; liberdade do determinismo; existência da essência. Portanto, esta crise se situa no próprio contexto epistemológico. “Desde Descartes que pensamos contra a natureza, certos que a nossa missão é dominá-la, subjuga-la, conquista-la” (MORIN, 1973, p. 15), distanciando assim o mundo escolar da expressão prática da vida em nome da racionalidade do saber. Segundo Morin (2019), o racionalismo permite acreditar que o universo todo obedece a razão e que a humanidade pode se desenvolver através da razão – isto não é verdade.

Por outro lado, o pensamento de Paulo Freire dá continuidade à perspectiva de Edgar Morin, da epistemologia do conhecimento escolar construída historicamente para o âmbito da prática pedagógica. Isto é, se de um lado, epistemologicamente, separa-se o objeto do sujeito, este preceito é aplicado na prática pedagógica a partir da separação do sujeito e do objeto da aprendizagem, a pessoa que ensina e a pessoa que aprende. Para Freire, esta trajetória histórica do sentido dado à racionalidade a qual a escola se encarrega de aplicar, desencadeia no que o autor chama de “educação bancária” Assim, para Freire (1982, p. 67-68) a educação bancária se caracteriza da seguinte forma:

 » O educador é o que educa, os educando os que são educados; O educador é o que sabe, os educandos, os que não sabem; O educador é o que pensa, os educandos os pensados; O educador é o que diz a palavra, os educandos os que a escutam docilmente; O educador é o que disciplina, os educando os disciplinados; O educador é o que opta e prescreve sua opção, os educandos que seguem a prescrição; O educador é o que atua, os educando os que têm a ilusão de que atuam na atuação do educador; O educador escolhe o conteúdo programático, os educandos, jamais ouvidos nesta escolha, se acomodam a ele; O educador identifica a autoridade do saber com a sua autoridade funcional, que opõe antagonicamente à liberdade dos educandos. Estes devem adaptar-se às determinações daquele; O educador, finalmente, é o sujeito do processo, os educandos meros objetos. « 

Paulo Freire e Donald Macedo salientam também a abordagem utilitarista do ensino (FREIRE e MACEDO, 1990, p. 94), destacando que esta abordagem enfatiza o aprendizado mecânico de habilidades de leitura, na perspectiva de atender as necessidades econômicas e, com isto, sacrificando a análise crítica da ordem social e política, a qual, esta sim, produz o pensar e a emancipação.

Assim, para Freire, a educação para a autonomia leva à compreensão política do meio em que vive:

 » É reacionária a afirmação segundo a qual o que interessa aos operários é alcançar o máximo de sua eficácia técnica e não perder tempo com debates « ideológicos” que a nada levam. O operário precisa inventar, a partir do próprio trabalho, a sua cidadania que não se constrói apenas com sua eficácia técnica mas também com sua luta política em favor da recriação da sociedade injusta, a ceder seu lugar a outra menos injusta e mais humana. «  (FREIRE, 1997, p.39)

Portanto, Paulo Freire e Edgar Morin acentuam aspectos comuns que explicam a tônica do ensinar pensar da escola, desde a construção histórica da Razão (Morin), de onde tem origem a epistemologia da institucionalidade da escola, à prática escolar com acento na educação bancária (Freire).

O desafio de ensinar pensar: Caminhos trilhados por Edgar Morin e Paulo Freire

Edgar Morin e Paulo Freire apontam diferentes caminhos na perspectiva do ensinar a pensar, mas constroem similaridades especialmente no desígnio dos diferentes significados do saber.

O significado do saber para Edgar Morin

Inicialmente se faz importante voltar às considerações feitas por Morin (2019) em relação da Razão com a emoção a partir do pensamento complexo. Segundo o autor, existe uma questão antropológica que deve ser considerada. Na definição clássica da razão não entra a emoção, mas na verdade a emoção naturalmente está presente na Razão. Não há Razão sem emoção, antropologicamente falando porque entra a paixão, a opção por matemática, por exemplo, precisa de emoção, o sentimento, o amor, o ódio, são questões antropológicas. Pode haver também delírio de individualidades e de multidão, o delírio está presente no caminho da Razão. Os gregos chamavam de desmedida.As desmedidas e loucuras não se encontram apenas nas individualidades, mas num processo histórico, em grande parte, em nome da Razão, como o caso do agrotóxico.Portanto, o saberprecisa ser guiado permanentemente pela Razão e pela paixão, o que significa emoção.

Assim, para Morin (2019), precisa-se promover uma Razão complexa e aberta que reconheça as contradições, como por exemplo, as noções de vida e de morte. O nosso corpo para lutar contra a morte deixa morrer células para ter células novas, então a morte não é inimiga da vida, nesse sentido a vida se aproveita da morte para lutar pela vida. Assim, precisa-se de uma Razão sensível, aberta à poesia não reconhecida pela Razão, a mitologia, o pensamento simbólico, etc. Para professores, é importante perceber a qualidade poética, a exaltação, a música, a poesia da vida, isto tudo é fundamental e precisamos cultivar sempre mais.

Portanto, Edgar Morin (2019) conclui que a Razão possui esta bivalência, ela é necessária, mas a emoção também é necessária, e precisa um diálogo de forma que ambas possam estar juntas. É preciso romper o pensamento linear, de uma causa a um efeito, as vezes o efeito se torna causa. Ou seja, o sistema complexo, não apenas a parte se encontra no todo, mas o todo está na parte e vice versa. Neste sentido, se tem o princípio dialógico e da dialética, a decisão precisa da aposta, da paixão.

Morin (2019) destaca também que o docente deve praticar o amor, deve desenvolver as personalidades, deve saber que o aluno é um filósofo por natureza, a criança faz perguntas fundamentais, o que é o mundo, por exemplo, e o educador precisa auxiliar a desenvolver a capacidade de se fazer pergunta. As crianças não analisam de forma funcional, elas têm uma capacidade poética, isto precisa ser salvo na criança, é preciso cuidar, porque o racional, na escola, degrada esta capacidade poética e utópica. É preciso cultivar e ajudar a desenvolver a capacidade dialógica na criança.

Segundo Morin, partir da sua análise expressa no livro Os Sete Saberes Necessários à Educação do Futuro (2001), educar para pensar se constrói pela necessidade do agir com maior inteligência de todos os segmentos sociais, em dimensão internacional, que o ensinar pensar levaria à construção de uma individualidade com capacidade de compreender a dimensão complexa do mundo e que com isto, por si só também levaria à capacidade produtiva. Mas para isto precisaria se ter até mesmo um novo olhar sobre o tipo de conhecimento que se pratica na escola.

Morin (2001, p. 19) relativiza a prática da dicotomia entre o certo e o errado no conhecimento. O autor afirma que não se pode entender o conhecimento como infalível, que todo conhecimento comporta o risco do erro e da ilusão e que cabe à educação do futuro enfrentar uma dupla face do erro e da ilusão: o maior erro seria subestimar o problema do erro e a maior ilusão seria subestimar o problema da ilusão. Cabe à educação do futuro mostrar que não há conhecimento que não esteja em algum grau ameaçado pelo erro e pela ilusão. Isto porque o conhecimento sob a forma de palavra, de ideia, de teoria e fruto de uma tradução/reconstrução por meio de linguagem e do pensamento, por conseguinte, está sujeito ao erro.

Assim como Paulo Freire, Morin acentua o vínculo social do conhecimento: “…todo conhecimento, para ser pertinente, deve contextualizar o seu objeto. “Quem somos nós”? é inseparável de “Onde estamos, de onde viemos, para onde vamos?” (MORIN, 2001, p. 37). Ou ainda o contexto da consciência política do cidadão, a Aprendizagem Cidadã: “A educação deve contribuir para a autoformação da pessoa (ensinar a assumir a condição humana, ensinar a viver) e ensinar como se tornar um cidadão” (MORIN, 2001, p. 65).

Por outro lado, nesta perspectiva, Paulo Freire salienta a necessidade do diálogo na prática escolar na perspectiva de superar a prática da educação bancária. Isto porque o ensinar a pensar toma uma outra dimensão, se constitui no ensinar dialógico, deixando de se constituir a ação educativa como uma ação que se dá entre a pessoa sujeito do conhecimento e a pessoa objeto do aprender. Certamente que esta nova percepção do conhecimento e da prática escolar iria dirimir a incertezada prática escolar e do próprio papel da professora ou do professor. Esta nova prática resgataria a autonomiana prática escolar tanto em relação ao professor e à professora como em relação à própria expressão das individualidades das alunas e dos alunos. Assim, nasceria um novo conhecimento.

Edgar Morin (2001, p. 35-47) ao propor os princípios doconhecimento pertinente, deslumbra o que seria este novo conhecimento a ser ensinado e esta nova prática educacional. Segundo o autor, o problema universal de todo cidadão do novo milênio é: como ter acesso às informações sobre o mundo e como ter a possibilidade de articulá-las e organizá-las. E a esse problema universal confronta-se a educação do futuro, pois existe inadequação cada vez mais ampla, profunda e grave: de um lado, saberes desunidos, divididos, compartimentados… e do outro lado, as realidades e os problemas cada vez mais multidisciplinares, transnacionais, globais e planetários. Isto é, algo profundo a ser revisto seria a relação entre a teoria/prática.

Nesta inadequação, segundo Morin (2001, p. 35-47), tornou-se invisível o contexto; o global; o multidimensional; o complexo, o presente e passado. Quanto ao contexto, é preciso situar as informações e os dados em seu contexto para que adquiram sentido;quanto ao global, segundo o autor, a sociedade é mais que um contexto: é o todo organizado de que fazemos parte, é o conjunto das diversas partes ligadas a ele de modo inter retroativo ou organizacional;quanto ao multidimensional, segundo o autor, o ser humano assim como a sociedade são multidimensionais. O ser humano é ao mesmo tempo biológico, psíquico, social, afetivo e racional. A sociedade comporta as dimensões históricas, econômicas, sociológicas, religiosas…. O conhecimento pertinente deve reconhecer o caráter multidimensional do ser humano e da sociedade; quanto ao complexo, segundo o autor, a educação deve promover a “inteligência geral” apta a referir-se ao complexo, ao contexto, de modo multidisciplinar e dentro da concepção global. Isto seria uma retomada no ensinar com ética. Assim, segundo o autor, existe uma “inteligência geral”, atribuída à educação. A educação deve favorecer a aptidão natural da mente em formular e resolver problemas essenciais e, de forma correlata, estimular o uso total da inteligência geral com discernimento sobre os saberes necessários.

Morin (2001, p. 35-47) realça a “autonomia” advertindo que as especializações das disciplinas geram enormes obstáculos impedindo o exercício do conhecimento pertinente, criando obstáculos à autonomia do conhecimento e da inteligência. Para o autor, existem alguns “problemas essenciais” que a educação do futuro deve buscar superar, como: disjunção e especialização fechada; redução e disjunção; falsa racionalidade. Isto porque, segundo o autor, o conhecimento especializado é uma forma particular de abstração. O princípio da redução oculta o imprevisto, o novo e a invenção. Isto leva a uma falsa racionalidade, isto porque se desconhece os princípios maiores do conhecimento pertinente, e que a superação desta lógica seria quebrar as formas tradicionais do ato de ensinar. Portanto para Morin, existe, na verdade, a necessidade de rever os próprios princípios epistemológicos a partir dos quais têm base a institucionalidade da escola e a sua prática escolar.

Este caminho certamente levaria, segundo Morin (2001, p. 47) ao ensino da condição humana:

A educação do futuro deverá ser o ensino primeiro e universal, centrado na condição humana. Estamos na era planetária; uma aventura comum conduz os seres humanos, onde quer que se encontrem. Estes devem reconhecer-se em sua humanidade comum e ao mesmo tempo reconhecer a diversidade cultural inerente a tudo o que é humano.

Paulo Freire, complementa os caminhos sugeridos por Morim no sentido de enfocar mais a prática pedagógica como elemento importante na perspectiva da construção do ensinar a pensar na escola, a qual certamente constrói a autonomia para a vida da pessoa que aprende. A autonomia do educando deve ser estimulada e respeitada.

O Significado da palavra para Paulo Freire: o preceito do diálogo

Inicialmente é importante ressaltar a negação de Freire no que se refere ao clássico entendimento de que a prática pedagógica se constitui entre dois pares, o sujeito e o objeto, o que ensina e o que recebe o saber, ressaltando assim a premissa dialógica na prática pedagógica. Segundo Freire, (1997, p. 25) “…ensinar não é transferir conhecimentos, conteúdos, nem formar é a ação pela qual um sujeito criador dá forma, estilo ou alma a um corpo indeciso e acomodado”. Segundo ainda Freire (1997, p. 25): “Não há docência sem discência, as duas se explicam e seus sujeitos apesar das diferenças que os conotam, não se reduzem à condição de objeto, um do outro. Quem ensina aprende ao ensinar e quem aprende ensina ao aprender.

Portanto, para Freire (1982), a dialogicidade é a essência da educação como prática da liberdade. “O diálogo é este encontro dos homens, mediatizados pelo mundo, para pronunciá-lo, não se esgotando portanto, na relação eu-tu”.

A premissa da criticidade do ensinar para pensar para

Outro aspecto ressaltado por Freire que resgata a premissa do ensinar para pensar é a criticidade. Segundo Freire (1997, p. 27) “…quanto mais criticamente se exerce a prática de aprender tanto mais se constrói e desenvolve o que venho chamando “curiosidade epistemológica” sem a qual não alcançamos o conhecimento cabal do objeto”.

A premissa da pesquisa como sinônimo do ensinar para pensar

Paulo Freire destaca também na prática do ensinar para pensar a relação do ensinar com a pesquisa. Segundo Freire (1997, p. 32) “Não há ensino sem pesquisa e pesquisa sem ensino”. Isto é o que Freire chama de “curiosidade epistemológica”que designa a prática do aprender e do ensinar. Em relação ao papel da docência relacionada ao ensino e pesquisa Freire (1997, p. 27) diz: “No meu entender o que há de pesquisador no professor não é uma qualidade em forma de ser ou de atuar que se acrescente à de ensinar. Faz parte da natureza da prática docente a indagação, a busca, a pesquisa”

Em outra passagem Paulo Freire (1995, p,19) diz que: “Saber melhor o que já sei às vezes implica saber o que antes não era possível saber. Daí a importância de educar a curiosidade, a qual se constitui, cresce e se aperfeiçoa no próprio exercício”. Ou seja, para Freire (1995, p. 19);

…o erro da educação da resposta não está na resposta e sim na ruptura entre ela e a pergunta. O erro está em que a resposta é discursada independentemente da pergunta que a provocaria. Da mesma forma a educação da pergunta estaria errada se a resposta não se percebesse parte da pergunta. Perguntar e responder são caminhos constitutivos da curiosidade.

Portanto um dos fatores da crise da escola, para Freire, é a narrativa morta dos conteúdos, como diz o autor (1982, p. 66)

A narração, de que o educador é o sujeito, conduz os educandos à memorização mecânica do conteúdo narrado. Mais ainda, a narração os transforma em “vasilhas”, em recipientes, a serem “enchidos” pelo educador. Quanto mais vá “enchendo” os recipientes com seus “depósitos”, tanto melhor o educador será. Quanto mais se deixem docilmente “encher” tanto melhores educandos serão.

Segundo Freire (1982, p. 66) “Educador e educandos se arquivam na medida em que, nesta distorcida visão da educação, não há criatividade, não há transformação, não há saber”. Assim, para Freire (1982, p. 67), “Na visão “bancária” da educação, o “saber” é uma doação dos que se julgam sábios aos que julgam nada saber”. A premissa do significado da palavra, as subjetividades e a compreensão crítica do social no ensino para pensar.

Outro elemento importante salientado por Paulo Freire é o próprio significado da palavra, qual o significado de ler e escrever uma palavra? Para Freire, a palavra não se limita nela própria no sentido de aprender como se escreve e/ou como se lê, mas ela traz subjetividades. Neste sentido, o diálogo que Freire faz com Donaldo Macedo, no livro Alfabetização Leitura do Mundo Leitura da Palavra traz uma contribuição significativa no sentido de associar o ato de ensinar à produção do significado do saber, da consciência do mundo social, do âmbito político do saber ler e escrever. A alfabetização, de conformidade com Freire e Macedo (1990, p. 90) “…não pode ser encarada simplesmente como o desenvolvimento de habilidades que vise à aquisição da língua padrão dominante…”. Ou ainda: “Para que a ideia de alfabetização ganhe significado, deve ser situada dentro de uma teoria de produção cultural e encarada como parte integrante do modo pelo qual as pessoas produzem, transformam e reproduzem significados.

Portanto, existe uma similaridade entre o pensamento de Edgar Morin e o de Paulo Freire no que se refere ao aprender para pensar, especialmente no que diz respeito à necessidade de se romper a premissa da razão técnica no ensino que distancia a objetividade da subjetividade e acentuando a premissa do diálogo na prática educativa e do conhecer associado ao meio social.

Considerações finais

A partir do advento da modernidade conjugada à racionalidade científica, a escola assumiu para si o papel de lidar com as individualidades na perspectiva de educar para a formação do ser racional. Porém, o ser racional historicamente foi acumulando diferentes sentidos na direção do ensinar fazer na medida em que o ser racional passou a ser associado à produção tecnológica no âmbito das relações capitalistas.

Conclui-se portanto, que esta crise do papel da escola não se origina dentro dela própria, mas no âmbito social e político a partir de uma construção histórica envolvendo o processo da origem de uma epistemologia do saber escolar, associada à racionalidade moderna, com especificidades próprias para o caso brasileiro. Portanto, o saber que a escola utiliza como meio e como fim por si só está associado à sua utilidade prática. Isto é, a escola tem o compromisso de ensinar o ser racional, mas o ser racional da escola é o associado às raízes da modernidade e das relações capitalistas de produção. Neste caso, o ensinar fazer se impõe sobre o ensinar pensar a partir das próprias bases epistemológicas da escola o que define suas regras e normas.

Por outro lado, a partir do pensamento de Edgar Morin e de Paulo Freire é possível se construir uma escola com foco no ensinar pensar adotando-se  premissas indispensáveis, tais como: o pressuposto de que o conhecimento se constrói no diálogo; a inter-relação entre a pesquisa objetiva e a subjetiva; interligando a natureza e a subjetividade à objetividade racional; a interligação do mundo escolar e o do mundo prático da vida com a ressignificação da palavra; a reconstrução da ideia da junção entre a vida e a morte; valorização da criticidade, da curiosidade e da pesquisa na prática educativa; atribuindo qualidade e racionalidade à poesia, à expressão literária e à arte; romper com o pensamento linear de dualidade entre a causa e o efeito; romper com o preceito da infalibilidade do conhecimento; associando o conhecimento como habilidade da leitura não apenas da palavra, mas do mundo social, político, econômico, cultural, enfim, o mundo prático da vida.

Portanto, conclui-se que o grande desafio da escola na contemporaneidade, o do ensinar pensar, deve partir de transformações das bases epistemológicas do saber que a escola utiliza como meio e como fim.  Nesta perspectiva, a prática escolar com acento no diálogo tem importância fundamental.

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Pour citer cet article
Référence électronique : Lindomar Wessler Boneti, “O objetivo da escola no Brasil : uma trajetória histórica”, Educatio [En ligne], 10 | 2020. URL : https://revue-educatio.eu

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